terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Até onde devemos relativizar?

É natural que os grupos étnicos existentes coloquem seus valores culturais e morais como sendo os mais elevados e portadores dos mais altos padrões de comportamento. A necessidade de se afirmar e de fortalecer uma identidade cultural faz atuar certo preconceito trans-cultural. O xenofobismo atravessou os séculos, e desde a antiguidade até os dias de hoje vem se apresentando das formas mais variadas. Esse receio quanto ao “outro”, quanto ao “diferente” é inerente e se apresenta em todas as sociedades nas mais diversas áreas que esta possa ter. Consideramos nossa religião a correta, nosso sistema de parentesco o mais evoluído, nossos afazeres como os de maior importância. Enfim a “gente” acredita que o outro é esquisito e que somos normais.

No período das grandes navegações (séc XV) a Europa começou a ter contato com outras sociedades, com um mundo exótico e diferente aos seus olhos. Assim como todas as etnias, os europeus se colocavam (como o centro ou no centro) de todas as coisas e consideravam os Negros seres desalmados e os Índios desprovidos de cultura, de acordo com o que nos diz Pero Vaz de Caminha em sua carta: “parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendessem e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles (os Índios), segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença” (Carta, 1987: 90).

Essa visão prevaleceu até final do século XIX e início do século XX quando surgiu um interesse de olhar para o “outro”, para o “selvagem”, de tal forma a entendê-lo. A antropologia, em sua gênese, quebrou com certos paradigmas europeus e nos ensinou que, ao contrário do que se pensava, a vida social desses povos “primitivos” não é um caos completo. As crenças não são um conjunto de rituais sem sentidos, os sistemas de parentesco não são regras absurdas que nem eles próprios entendem e os sistemas políticos não são totalmente desorganizados. Percebemos então, que a cultura do outro é possuidora de uma lógica. Diferente, mas lógica. Aprendemos a nos estranhar e a perceber na cultura de outras sociedades diversos elementos que se assemelham com a nossa. Com isso criou-se um maior respeito para com as outras sociedades. O mundo ocidental percebeu (pelo menos na teoria) que não devemos impor a nossa cultura e nossos valores a outras sociedades, simplesmente devemos aceitar suas diferenças. Talvez seja essa a lição mais importante apresentada pela antropologia.

Entretanto esse tema ainda prevalece com força nos dias atuais. No mundo globalizado as fronteiras entre as sociedades diminuíram bastante. Vemos índios andando de carro, chineses comendo McDonalds, africanos protestantes, entre diversas outras assimilações culturais que em outros tempos pareceriam absurdas. Verificamos que as lições antropológicas muitas vezes não foram assimiladas pelo mundo ocidental. Vemos isso na tentativa dos EUA de forçarem a democracia aos iraquianos, sem se perguntar se era esse o modelo mais apropriado para o tipo de sociedade que ali existia. Então, devido a essa aproximação entre as culturas, não sabemos ao certo como lidar com diferenças que muitas vezes entram em choque com os padrões morais que nós acreditamos serem inquestionáveis. Fica então uma pergunta: existem mesmo esses valores que são inquestionáveis? Para os propulsores do relativismo cultural, Franz Boas, a resposta é não. Para esse antropólogo cada sociedade julga a si mesma, e não existe o bem e o mal, mas sim o que uma sociedade acha que é bom ou mau. Não existe o certo ou errado, mas o aceito culturalmente e o rejeitado. Mas, então, como que esse relativismo enxergaria o infanticídio presente nas comunidades indígenas brasileiras quando a criança nasce portadora de alguma doença? Ou quando as mulheres são mutiladas em sociedades islâmicas africanas e asiáticas? Para esse antropólogo essas coisas não são certas ou erradas, tudo depende da sociedade na qual tal prática se coloca em evidência. Não existe, portanto, o que chamamos de direitos humanos. Devemos respeitar e enxergar como apenas uma diferença de paradigma o fato de numa sociedade as pessoas oferecerem as outras como sacrifícios de morte, ou o apedrejamento de mulheres, mutilações, infanticídio do segundo bebê quando se tem gêmeos.

Porém existe aqueles que não enxergam esses elementos culturais dessa forma. A corrente dos defensores dos direitos humanos vai contra essa visão e diz que não importa em qual sociedade um indivíduo esteja, ele possui direitos que devem ser observados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, afirma que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidades e direitos”. Defendem, portanto, que o Estado deve interferir nos meios onde tais direitos do Estado garantir esse direito aos membros de suas sociedades. Vemos, segundo os defensonão são observados. É papel res dessas idéias, que a relativização cultural tem limites. Esses limites são os direitos humanos. Sempre que numa cultura existam práticas que estão em desacordos com os direitos naturais dos seres humanos, uma atitude deve ser tomada mesmo que vá contra certos valores assimilados por esse grupo. O ministro das relações exteriores da Indonésia, em 14 de junho de 1993, afirmou, na Declaração de Bangkok, que “não viemos a Viena (...) para defender um conceito alternativo de direitos humanos, baseado em alguma noção nebulosa de relativismo cultural como falsamente acreditam alguns”. O vice-ministro das relações exteriores do Irã, em 18 de junho de 1993, declarou que “os direitos humanos, sem sombra de dúvida, são universais (...) e não podem estar sujeitos ao relativismo cultural”. O vice-ministro das relações exteriores da República Socialista do Vietnã, em 14 de junho de 1993, observou que “os direitos humanos são, ao mesmo tempo, um padrão absoluto de natureza universal e uma síntese resultante de um longo processo histórico (...) universalidade e especificidade são dois aspectos orgânicos dos direitos humanos inter-relacionados, que não se excluem, mas coexistem e interagem”. (trechos retirados do texto “Não há morte sem dor” do antropólogo brasileiro Ronaldo Lidório)
Claro que os defensores dos direitos humanos acreditam que a intervenção não deve ser feita sem a observação e o respeito aos costumes dos outros, mas crêem, antes, que através do diálogo pode-se pensar e alcançar maneiras alternativas de solucionar o problema e garantir os direitos aos homens sem passar por cima da cultura dos povos. Contudo, tal intervenção mostra-se, para eles, inegavelmente necessária.

Vemos, portanto, duas maneiras diferentes de enxergar o relativismo cultural. Os radicais, que dizem que tudo deve estar sujeito ao relativismo cultural e os que dizem que para além do relativismo devem ser observados valores que são sim universais. Gostaria agora que aqueles que leram, escrevam sem medo. Aqui vocês podem dizer o que realmente pensam sem medo de estarem em desacordo com as teorias antropológicas ou com as declarações feitas nas convenções sobre direitos humanos. Qualquer comentário aqui é bem-vindo, basta que haja interesse pelo tema.
Obrigado!