quarta-feira, 11 de março de 2009

É possível explicar a realidade empírica?

Um debate bastante presente no âmago das ciências sociais é saber até onde, ou o que as nossas teorias sociais são capazes de explicar sobre o mundo a nossa volta. Quando um antropólogo faz uma análise de um fenômeno social ele busca, com isso, entender os motivos pelos quais tal fenômeno é realizado. Tenta entrar na mente do observado e compreender as intenções da ação e o que está por trás dela. Mas com isso, não podemos ter nenhuma garantia se acertamos ou não em nossas observações, além é claro de correr o risco de reduzir drasticamente a prática a algo mais simplório e muitas vezes falso.

Um antropólogo chamado Malinowski, ao estudar os povos melanésios do pacífico descreve um ritual realizado por eles antes da pesca em lugares perigosos. Não me lembro detalhes de tal ritual, mas acredito que deveria ser algo envolvendo pinturas corporais e enfeites e talvez algumas danças ritualísticas. Se indagado, o nativo diria que tais práticas são realizadas para acionar espíritos ocultos com a finalidade de que estes os ajudem na pescaria. Contudo o pesquisador não se contenta com essa resposta (tomando-a como falsa) e busca a função latente do ritual. Ao refletir sobre esse fenômeno, concluiu que seria feito para acalmar os homens e trazer-lhes paz e tranquilidade durante a busca por alimentos. Isso é o que chamei de reduzir drasticamente o fenômeno, pois o objetivo do ritual é falar com os espiritos e não outro. Um cientista social não pode dizer que o ritual possui outra função, isso seria vincular o sujeito a forças sociais que lhes são ocultas. Deste modo teria algo acima de nós que nos controlaria a ponto de não sabermos os porquês de nossas ações.

Não vou prolongar muito o assunto, farei apenas algumas perguntas para que possamos pensar e talvez chegar a algumas conclusões sobre a indagação presente no título do tópico. É possível para um observador penetrar na mente do observado de uma maneira que possa entender o comportamento dele e explica-lo? É possível criar um teoria da ação humana? Pensando em um exemplo mais palpavel, é possível entender os motivos sociais que levam um membro da Igreja Universal do Reino de Deus a oferecer dízimos de 100% do seu salário? E os motivos que fazem uma anorexa sempre querer buscar mais e mais perder peso? E as razões que explicam a preocupação em excesso com a aparência em nossa sociedade? E os sacríficios voluntários dos homens bomba? Um observador pode explicar esses fenômenos empíricos e criar teorias que os expliquem de uma maneira que consiga, não abranger todos os casos, mas, ser "confiável"? Ou se trata de meras interpretações da vida social, onde todas possuem validade visto que é impossível alcançar a mente do observado? Até que ponto podemos chamar a antropologia e as demais ciências sociais de uma ciência do observado?

4 comentários:

  1. O paradigma da modernidade inseriu o postulado de que é possível conhecer o objeto de análise. Por intermédio da aplicação de um sistema de métodos e cortes epistemológicos (dividir e classificar) é possível atingir um nivel de conhecimento passível de universalização (verdade). Eu chamo o nosso paradigma de paradigma do Jack Estripador, rs.

    Nessa esteira, todas as áreas do conhecimento se apegaram a essa idéia, e numa declaração de fé das mais fervorosas que eu ja vi em minha vida, juraram ser possível conhecer.

    Há vários problemas que dificultam o conhecimento do objeto de estudo. Vou citar apenas alguns pra não me prolongar muito.
    1) o corte epistemológico isola o objeto de estudo de suas relações e nesse processo o modifica. Assim, o fenômeno estudado não é a "realidade empírica".
    2) o conhecimento não parte do objeto para o sujeito, mas do sujeito para o objeto, sendo em grande medida subjetivo e não objetivo.
    3) no caso da antropologia, o "objeto" de estudo não é objeto e sim "sujeito" dotado de dignidade e complexidade. E mesmo assim, tendo em vista o ponto 2, tratar-se-ia de uma "ciência" do observador e não do observado, se se considerar a premissa do pós-estruturalismo de que é o analista quem atribui sentido ao fenômeno.

    Considerando os pontos acima é relativamente simples perceber que buscar uma funçao latente da ação, retirada do esforço analítico do pesquisador sobre as observações que realizou é tentar o que se pode chamar de heroísmo científico, descontextualizando o fenômeno para se atingir um grau elevado de abstração e universalização.

    Assim é que eu pessoalmente penso que não é possível conhecer a realidade empírica, porque ela é muito mais rica do que os nossos métodos e a nossa própria racionalidade limitada pode conceber. Nós tentamos colocar arreios na natureza e na sociedade, analisando-as sob critérios estáticos e esperando soluções previsíveis quando, na verdade, isso não é possível.

    O que podemos ter é visões de mundo, construir hipóteses tão verificáveis e válidas quanto qualquer outra por mais oposta que seja. Eu posso descrever o fenômeno. Dizer q membros da universal tendem a dar 100% de dízimo, posso dizer que existe uma tendência de as pessoas ficarem anoréxicas e que isso se relaciona a uma visão social de beleza. Mas eu não posso atribuir uma causa social a um fenômeno individual, porque se assum fosse, não se explicariam os casos desviantes.

    Como não somos uma sociedade organizada como a de Aldous Huxley no seu excelente Admirável Mundo Novo, em que as razões sociais são internalizadas a ponto de suprimirem em grande medida o sujeito, não podemos buscar uma interpretação social para o caso concreto.

    Nesso ponto, creio não ser possível explicar a realidade empirica, mas acho excitante que possam existir diferentes formas de interpretação que sejam auto-críticas e que não se pretendam únicas. Afinal, a limitação de conhecer decorre da própria limitação da razão humana.

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  2. Lembrei-me da aula que tive certa vez com o professor Jacyntho Lins Brandão, da Letras. Ele nos contou que um certo antropólogo (não lembro o nome) imaginou um momento em que toda a humanidade morreria misteriosamente. Passado um certo tempo, um grupo de extraterrestres visita o nosso planeta e tenta entender a mentalidade do povo que aqui habitava com base em observações dos achados arqueológicos. Uma das conclusões destes extraterrestres é a que aqui habitava um povo extremanete religioso. Em cada casa eles observavaram um recinto de culto, onde havia um altar para sacrifícios e com todos os utensílios necessários para esse culto: eles estavam observando os banheiros das residências!
    Essa alegoria serve pra mostrar que a nossa interpretação das culturas antigas pode ser, em grande medida, prejudicadas pela ausência de dados suficientes e por nossos erros de compreensão dos elementos que nos chegaram à mão.

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  3. Não podemos conhecer um objeto com precisão e certeza inabaláveis, não podemos construir um projeto que não tenha falhas, não podemos pensar numa forma de administração que seja completamente justa, e não podemos criar uma ciência que seja indiscutível. Mas se não tivéssimos a tenacidade de tentar, estaríamos abraçando a ignorância, a miséria, e a mediocridade.

    Talvez não podemos afirmar que com certeza a finalidade de um ritual como esses. Você sugere que o ritual é apenas para conversar com espíritos, mas quem busca diálogo com espíritos, o faz por uma razão. Nenhuma ação humana é despropositada, nem isolada. Ela é consequência de circunstâncias passadas, de tendÊncias e vontades pessoais. Não necessariamente um determinismo social. Mas também, não tão raso que possa ser considerado um objeto isolado, sem outras motivações senão a motivação explícita do ato em si.

    Mesmo estando fadados a erros, não podemos nos proíbir de arriscar ensaios teóricos e interpretações, tanto do mundo físico quanto das ações humanas. Podemos ter dificuldade para entender as motivações por tráz do comportamento de uma anorexica, mas não podemos nos furtar de buscar a todo momento, buscando, mesmo sobre o risco de erro, uma forma de amenizar seu sofrimento.

    Há grandes ganhos com a ciÊncia, mesmo onde há erros. Newton não fez uma teoria completa, e nem precisa sobre o funcionamento do mundo. Ainda assim, suas teorias foram base para construção de grande parte do conhecimento e da tecnologia que desenvolvemos até hoje. Freud não conseguiu, em toda sua carreira, encerrar todas as causas e o funcionamento das patologias mentais humanas, e muito de sua teoria já foi provada pífia, mas na tentativa, ele tornou possível uma técnica que trouxe alívio psíquico para milhões.

    O importante ao refletirmos sobre qualquer tema, é mantermos em mente que erramos, e nos mantermos abertos para o novo, com humildade para aceitar nossos erros quando apontados. A ciência não se propõe a fechar a realidade em cada teoria. Pelo contrário, para que algo seja considerado ciÊncia, tem que ser passível de prova, de retestagem, e tem que ser falseável. Na ciência, nunca dizemos que algo é certo, apenas provável, já abrindo espaço para debate e revisão.

    Resumindo, a crença de que nossa incapacidade para conhecer completamente a realidade deveria ser motivo para não abordá-la, é falaciosa. De certo ponto de vista, é uma tese covarde e arrogante ao mesmo tempo, pois enquanto desiste antes de tentar, ainda justifica a não busca de respostas através da impossibilidade de encontrarmos uma resposta perfeita para as questões... e de verdade, não temos resposta perfeita para nenhuma questão humana, nada que fazemos é perfeito. Admitindo isso, teríamos que cair inertes para evitar erros. Não, pelo contrário, acho sim válido que abordemos QUALQUER tópico, por menos acurados que sejamos em nossos achados, e por mais que tenhamos certeza que cometeremos algum erro. É uma questão de aceitar nossos limites, mas de não nos conformar e desistir por não sermos perfeitos. Enfim.

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  4. Uma coisa interessante que se conclui da percepção de que a ciência é incapaz de entregar aquilo que prometeu - a verdade - não significa necessariamente que a utilização de seus métodos deva ser totalmente rechaçada.

    De fato, como bem observou o ogro, ainda que a verdade seja inalcançável, isso não deve nos demover de tentar chegar o mais próximo que pudermos.

    Entretanto, nos encontramos diante de uma oportunidade sem par. Sabendo que o conhecimento não pode ser estanque, e que a aplicaçao dos métodos científicos tradicionais não nos leva necessariamente à verdade, podemos então nos utilizar dos métodos da ciência para chegarmos não a um conhecimento puro e científico, mas a um novo senso comum, ou como sugeriria o sociólogo lusitano, um "conhecimento prudente para uma vida decente".

    Ficamos livres das amarras do cientificismo para, através da sua maior inovação, criarmos o conhecimento valorativa e teleologicamente.

    Preciso correr agora, mas espero que possamos voltar a debater essas questoes futuramente;

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